Quem dá cor à VERDE?
- VERDE.acin
- há 3 dias
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A arte dos cogumelos
João Silva – Técnico de conservação
Se não fosse especialista em cogumelos, era músico. A natureza sempre gravitou na sua vida, trazida pelas caminhadas que fazia com os pais nas Caldas da Rainha, de onde é natural. A adolescência afastou-o dessa rotina e trouxe-lhe a música; ainda assim, a paixão manteve-se: entre bandas e álbuns, quando escrevia músicas, muitas das suas letras refletiam o mundo natural. Foi pelos seus 18 anos que a memória do pai o devolveu à natureza – e, desde então, não quis separar-se mais dela.

Mudou-se para Lisboa para se formar em bateria-jazz, mas uma mudança de rumo levou-o a estudar análises laboratoriais. Foi aqui que o microscópio lhe trouxe o fascínio pelos fungos – os formatos, os cheiros, as cores, as texturas. Para o João, são seres que ligam o lado artístico com o científico, “Há fungos de todas as cores e com montes de características diferentes.” A inicial timidez do João desaparece quando o tema são cogumelos – há um olhar e um tom de quem tudo sabe e, o que não souber, vai descobrir.

É um mundo com, estima-se, 2.2 milhões a 3.8 milhões de espécies, e apenas 148.000 descritas pela Ciência. Todos os cogumelos são fungos, mas nem todos os fungos produzem cogumelos. O que chamamos de cogumelos são, na verdade, os corpos de frutificação – ou seja, as estruturas reprodutivas – de certos fungos. Já outros fungos, como os bolores, não formam cogumelos.
O género de cogumelos favorito do João é, neste momento, o Protostropharia – importante é realçar que é “neste momento”, porque, num mundo tão vasto e com tanto por explorar, “é muito difícil decidir só um”. Este género de fungos alimenta-se de matéria morta, sendo a maior parte das espécies coprófilas – crescem das fezes de mamíferos herbívoros. É possível encontrá-los em prados ou florestas húmidas onde há presença de gado, cavalos, ou mesmo alces e outras espécies selvagens. São todos muito parecidos e incaracterísticos, com cores entre o amarelado, laranja, e castanho, com lâminas cinzentas que se tornam arroxeadas com a libertação dos esporos.
Fotografa tudo e mais alguma coisa – que vai partilhando no iNaturalist –, a maioria dos cogumelos identifica de imediato. Quando não os reconhece, regista-os, estuda, e repete com convicção: “Quem corre por gosto, não cansa”. As saídas de casa para procurar cogumelos e analisá-los com o seu microscópio tornaram-se, assim, rotina, e com o tempo – e várias folhas de Excel – tornou-se micólogo.
Esta paixão levou-o a candidatar-se à VERDE e mudar-se das Caldas para Lousada. Começou no inventário do arvoredo urbano em Gondomar, e é no outono – e nos fungos – que mais sente o seu lugar. O João é agora uma referência na VERDE para esta área pouco explorada, onde faz estudos de inventário de cogumelos em zonas naturais. Este trabalho permite compreender a biodiversidade fúngica de um território e, mais do que uma curiosidade científica, é um importante elemento na conservação: “Os fungos são seres vivos, tão próximos dos animais como das plantas – e conhecer o seu papel é essencial para melhor compreender o funcionamento do mundo natural.”
Os benefícios dos fungos e o seu papel nos ecossistemas continuam largamente por explorar, “Até os fungos parasitas têm o seu lugar no equilíbrio natural, tudo está interligado.” Ramos partidos podem funcionar como portas de entrada para fungos parasitas; os buracos que estes parasitas criam na madeira tornam-se espaços onde pica-paus constroem ninhos, onde corujas encontram abrigo, e onde escaravelhos que preferem madeira mais macia conseguem prosperar.
Além do trabalho de campo, o João também dinamiza formações e workshops onde apresenta a dimensão e o encanto do reino dos fungos. Criar pontes entre pessoas, territórios e conhecimento faz parte do seu mundo ideal, e é isso que procura fazer com o seu trabalho: pôr as pessoas em contacto com a natureza, devagar, a observar – “Precisamos de ser mais contemplativos.”
Portugal, diz, é um centro de biodiversidade incrível, e os fungos não são exceção – com espécies que combinam padrões típicos do clima temperado com traços mais próprios de zonas quentes. É por estes territórios, e pela VERDE – entre inventários, formações e ações de conservação –, que o João continua a trilhar o seu percurso. Sente o impacto do seu trabalho e acredita que a associação ocupa um espaço essencial no país: “Há uma divergência entre quem vive no campo, mas não tem consciência ecológica e quem estuda muito, mas não conhece o campo. Falta comunicação e educação, e a VERDE é uma referência no esforço para a colmatar este desafio.”
Se o dia estiver cinzento, com chuva fraca, e o chão coberto de folhas e cogumelos, é provável que o João esteja por perto. Atento aos pormenores e a baixar-se a cada cinco metros para observar o que surge pelo caminho. E, certamente, com uma ligeira dor no pescoço.
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